Embora ainda haja a crença de que o racismo parta apenas de ações individuais discriminatórias, é preciso encarar o fato de que, na verdade, o problema é estrutural e está atrelado a diversas áreas da nossa vida, seja pessoal ou social.
Em um país como o Brasil, um dos últimos a abolir a escravidão no século 19, a ausência de políticas que dessem apoio e recursos ao desenvolvimento da população negra ao longo dos anos ainda se reflete na realidade das pessoas deste grupo minorizado cotidianamente.
Um dos sintomas dessa ausência de estruturas que garantissem que a população negra conseguisse, de fato, se desenvolver e prosperar (economicamente falando) gerou uma “tradição” comum a ela: a black tax (“imposto negro”, em tradução literal).
A black tax, imposta subliminarmente a pessoas negras não só no Brasil, mas em outros países do mundo, pode atuar como um empecilho na geração sustentável de renda e desenvolvimento econômico a longo prazo, mesmo para as pessoas negras que conseguiram se estabelecer em padrões de vida acima da média desse recorte.
Neste artigo, você entende mais o que é a Black Tax e quais seus impactos na vida da população negra. Acompanhe!
O que é black tax
Para começar, é necessário que a gente esclareça o que é black tax e como ela é vista na prática.
Black Tax é um termo comumente utilizado na África do Sul (e tratado em países como os Estados Unidos) e que fala sobre a expectativa colocada em pessoas negras de compartilhar seus ganhos financeiros com familiares (próximos ou não) que não possuem o mesmo padrão de vida.
O conceito também trata do fato de como a questão racial perpetua os padrões de inequidade social, uma vez que, em geral, pessoas negras não possuem as mesmas chances de pessoas brancas de obter um bom nível de educação ou abertura no mercado de trabalho formal, por exemplo.
Esse fato acaba reforçando as expectativas desse compartilhamento de recursos dentro das famílias, já que as estruturas sociais seguem sendo excludentes e tirando oportunidades dessas pessoas.
Efeitos e sintomas na sociedade
Os efeitos da Black Tax têm origem na forma como nossa sociedade opera desde o período colonial e, ainda hoje, gera impactos em vários aspectos da vida de pessoas negras.
Ainda vivemos em um país em que trabalhadores brancos têm renda cerca de 73,9% maior que a de trabalhadores negros e que o desemprego entre negros é 71% maior – o que eleva o tempo em que as pessoas precisam dispor dessa taxa.
Além disso, condições de moradia, educação, saneamento básico e saúde à população negra tem acesso são inferiores e oportunidades de trabalho (ou mesmo a chance de ascensão na trajetória profissional), mais escassas.
Para mulheres negras, cenários ainda mais excludentes
Além da questão racial geral, quando falamos de mulheres negras, o acesso a privilégios e espaços de poder é ainda mais dificultado.
A taxa de desemprego neste grupo chega a 16% (o dobro da taxa de homens brancos) e, das que estão empregadas, a maioria ainda se concentra no mercado informal, em cargos de serviços do lar e de limpeza. Já para cargos de gerência e/ou diretoria no mercado formal (que tendem a oferecer salários maiores e mais benefícios), elas representam apenas 8%.
Mulheres negras também são as que mais se ocupam de afazeres do lar e do cuidado de parentes, e que encontram mais dificuldades em relação a custos como o pagamento de creches para filhos pequenos.
Black Tax = gerada na tentativa de reparar desigualdades
Embora haja o efeito positivo para a comunidade como um todo, afinal, se uma pessoa negra está sendo capaz de quebrar barreiras sócio-econômicas impostas a esse recorte, há abertura de caminhos e representação para que outras pessoas negras vejam que também são capazes, os efeitos negativos na pessoa negra da família responsável por esse fardo financeiro e psicológico ilustram com clareza os desafios estruturais raciais que temos na sociedade.
Observando os índices acima, não é difícil entender por que a população negra, em uma tentativa de evitar a perpetuação dos quadros de desigualdade, estabeleça como obrigação a tarefa de usar seus próprios recursos para mudar as estatísticas ou ainda compensar a ausência de serviços públicos voltados para trazer educação, saúde ou moradia de qualidade.
E, pela concentração no mercado informal, questões como previdência e aposentadoria, que deveriam garantir condições mínimas de sustento e qualidade de vida na terceira idade, são menos acessíveis a essa parcela da população também.
Justamente por essa razão, recursos financeiros que poderiam ser guardados, investidos e utilizados para ascensão econômica de uma pessoa ou família negra, acabam sendo realocados para apoiar pais, irmãos, avós, tios e outros familiares nestes aspectos.
Consequentemente, a longo prazo, a formação de um patrimônio financeiro se torna uma realidade distante, ao passo que pessoas brancas, sistematicamente mais privilegiadas e com maior acesso a serviços essenciais de qualidade e mais oportunidades no mercado de trabalho, podem utilizar esses mesmos recursos extras na construção de riqueza financeira.
Black Tax é uma questão social estrutural e precisa ser endereçada como tal
Iniciativas como o Movimento Black Money (que tem como um dos pilares a independência e desenvolvimento econômico da população negra no Brasil), ações afirmativas e soluções como educação financeira, embora tenham seu mérito e importância, não atuam diretamente na estrutura da sociedade, que é o que precisa ser mudado para que esses desafios possam deixar de existir.
É preciso que nossas bases sociais mudem, trazendo o poder público e o setor privado também para a discussão, para que a população negra, que representa 56% da nossa população comece a ter oportunidades e caminhos mais abertos e inclusivos.
Sem esse movimento, seguiremos colocando em pessoas negras o fardo de mudar essa realidade com seus próprios recursos, tornando ainda mais difícil seu crescimento econômico a longo prazo.