A ausência de diversidade na política e na esfera pública, principalmente em cargos responsáveis pela criação e aprovação de políticas que regem nossa sociedade, é preocupante por várias razões e afeta boa parte da nossa população.
A presença desses recortes de minoria em espaços de poder traz à tona discussão de direitos negados aos grupos marginalizados, debates sobre as dinâmicas de poder que hoje existem na nossa sociedade e gera representatividade na prática para grupos que quase sempre passam despercebidos para as políticas sociais.
É importante ressaltar que a presença de grupos minorizados em cargos públicos não significa uma mudança automática na sociedade e no avanço de pautas marginalizadas, afinal, mudar as estruturas e sistemas de uma sociedade demanda tempo, esforço e quebra de estigmas.
Ainda assim, trazer mais pessoas desses grupos para espaços como a política é um passo essencial para:
- Começarmos a pensar em projetos que garantam direitos básicos a grupos sistematicamente excluídos e silenciados;
- Gerar um olhar mais plural (e, consequentemente, mais próximos à realidade diversa do Brasil) na hora de criar e aprovar leis que interferem em pontos como educação, saúde e outros segmentos que afetam o dia a dia da população como um todo;
- Incentivar a quebra de “tetos de vidro” impostos a esses grupos, permitindo que portas se abram nessas esferas de poder para grupos que não são, historicamente, vistos nesses lugares.
Acompanhe a leitura!
Raio X: o cenário brasileiro de D&I na política hoje
Apesar de ser a maioria da população (56% dos brasileiros são pessoas pretas e pardas, e contamos com 51,8% de mulheres na nossa, sociedade, por exemplo), a representação de recortes minorizados no poder público ainda é muito baixa.
De acordo com pesquisas do IBGE, pessoas negras representam apenas 24,4% dos deputados federais e 28,9% dos estaduais eleitos em 2018.
Problemas como falta de recursos para investir na campanha, a ausência de políticas de equidade racial nas candidaturas dos partidos e todo o histórico da negritude e como ela ainda é vista no nosso país pesam nesse processo.
A representação feminina também fica aquém de expectativas. Nas eleições de 2018, as mulheres representaram apenas 18% do total de candidatos eleitos para o congresso e 5% para o cargo de governador.
Quando consideramos pessoas da comunidade LGBTQIA+ e pessoas com deficiência, que representam, respectivamente, 10% e 24% do total da demografia brasileira, os números são ainda mais preocupantes:
- Para as eleições deste ano, apenas 1,2% dos candidatos declaram possuir alguma deficiência (nas eleições de 2018, somente 2 candidatos com deficiência foram eleitos para o Congresso);
- Já na comunidade LGBTQIA+, os resultados da eleição de 2018 mostraram que, dos 1.655 candidatos eleitos a cargos legislativos e executivos, apenas 8 eram representantes desse grupo.
Funcionalismo público X diversidade
Já no funcionalismo público, que engloba cargos concursados, o cenário muda um pouco:
- Mulheres ocupam cerca de 55% do funcionalismo, seja ele federal, estadual ou municipal;
- Pessoas negras representam 30% desses cargos;
Já para pessoas com deficiência, é definido por lei que até 20% das vagas devem ser destinadas a elas em concursos públicos (com um mínimo de 5% de vagas exclusivas para esse grupo).
Ainda assim, grupos minorizados que chegam a esses cargos enfrentam desafios como salários mais baixos, discriminação, assédio e a dificuldade para crescer e ocupar cargos mais altos – como de gerência e diretoria.
Diversidade e inclusão no setor público: por que isso é importante?
Já ficou claro que ainda há muito espaço para ação e mudança no ambiente público em termos de trazer maior diversidade, inclusão e equidade, certo?
Mas por que é tão importante que pessoas “fora do padrão” estejam em lugares como estes?
1) Maior visibilidade de pautas identitárias
Uma característica muito comum entre pautas identitárias de minorias é o silenciamento de grupos que tentam mostrar à sociedade as falhas que ainda temos em termos de equidade e justiça social.
Trazendo pessoas que vivem e defendem essas pautas para um cenário público, tais debates ganham força e espaço, tornando-se mais visíveis para aqueles que não vivem essas situações na pele e a quem essas pautas podem ser desconhecidas.
2) Políticas mais plurais e voltadas para pautas de recortes de minorias
Quem vive na pele situações de desigualdade, exclusão de direitos e marginalização (seja na educação, saúde, mercado de trabalho ou mesmo na vida pessoal) tem maiores chances de criar alternativas e soluções para desafios cotidianos de grupos específicos.
Em outras palavras, políticas que beneficiam grupos marginalizados têm a tendência a serem melhor fundamentadas e mais abrangentes quando formuladas por representantes de grupos que, mais do que o conhecimento teórico, têm vivência desses desafios.
Uma pesquisa feita pelo Elas no Poder sobre o perfil da Mulher na Política, mostrou que uma grande parte das mulheres que se candidatam a cargos públicos têm como pautas prioritárias educação, direitos humanos, políticas públicas específicas para mulheres e saúde.
Ações afirmativas como a Lei de Cotas para pessoas com deficiência no mercado de trabalho e do reconhecimento de identidade de gênero (com direito à solicitação para mudança de nome social) são exemplos claros de como pessoas são necessárias para promover soluções para os problemas que são parte da rotina de grupos minorizados e que por muito tempo não foram levadas em conta na criação de projetos políticos.
3) Maior representação e representatividade de grupos minorizados
Por fim, é sempre bom lembrar: representação e representatividade importam.
A chegada de pessoas que não se adequam ao velho status quo político (homens, brancos, cis, héteros, sem deficiência…) ao ambiente da esfera pública quebra barreiras e abre portas para que mais representantes de grupos marginalizados vejam como possível sua presença e ação social nesses espaços.
Um exemplo recente desse assunto é a eleição dos Estados Unidos, que elegeu uma mulher, negra e filha de imigrantes como vice presidente, além de mulheres latinas, negras e até refugiadas para o senado e a câmara.
A fala de Kamala Harris sobre “ser a primeira a estar nessa posição, mas não a última” mostra o poder da representatividade e da importância de gerações mais novas serem capazes de ver a si mesmas em ambientes de poder e status social.
Mas como é possível trazer cada vez mais diversidade para esse cenário?
O que já está sendo feito para mudar o quadro da diversidade na política
A urgência de maior diversidade e inclusão na esfera pública e política tem gerado uma série de ações para que o cenário atual, ainda muito desigual, seja modificado.
Iniciativas como Vetor Brasil e Elas no Poder atuam na capacitação de jovens para a vida pública e na criação de redes diversas e engajadas que otimizem o trabalho dentro da gestão pública, facilitando a inserção de profissionais mais bem preparados e informados sobre as diversas pautas a serem trabalhadas na esfera pública.
Já no cenário eletivo (que inclui candidatos a deputados e senadores, por exemplo), projetos que garantem mais equidade vêm sendo aprovadas para dar espaço à candidatura de recortes de minorias sociais, como mulheres e negros.
Para mulheres, o texto prevê que no mínimo 30% do Fundo Especial de Financiamento de Campanha de cada partido e pelo menos 30% do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV seja destinado a candidaturas femininas, sendo 50% destes valores voltados para candidatas pretas e pardas.
Já o projeto de cota para candidatos negros, que entra em vigência na eleição de 2020, visa oferecer mais recursos para as campanhas, obrigando uma distribuição igual de verba entre candidatos brancos e negros de cada partido.
Infelizmente, para recortes como a comunidade LGBTQIA+ e pessoas com deficiência, ainda não há projetos oficiais que tornem a participação desses grupos mais expressiva no Congresso e outros cargos eletivos.
Abrace a diversidade não só em esferas privadas, mas na pública também!
Estudos já apontaram que trazer diversidade para um ambiente corporativo gera mais lucro, inovação e produtividade para a empresa. No âmbito público não é diferente: temos uma sociedade extremamente diversa e plural, e os espaços de poder devem ser espelho dessa demografia.
Um corpo político diverso aumenta chances de criar leis e projetos que abranjam mais grupos da população (em especial, os mais marginalizados), tornem o acesso a direitos mais facilitados e criem espaço para transformações sociais mais inclusivas.