A questão da igualdade de gênero no mercado de trabalho hoje está em um patamar bem mais avançado se olharmos para algumas décadas atrás. No entanto, ainda há muito para evoluir e o protagonismo feminino, infelizmente, está longe de ser uma realidade na maioria das organizações brasileiras.
É verdade que as mulheres estão cada vez mais conscientes sobre seus direitos e esse pode ser um bom ponto de partida. No entanto, as estatísticas mostram que isso não é suficiente: é necessário promover uma transformação estrutural no mercado de trabalho para reduzir de fato a disparidade de gênero.
Para que isso aconteça e as mulheres possam ascender na pirâmide econômica, o chamado “teto de vidro” precisa ser quebrado.
Organizações preocupadas com a diversidade e a inclusão são cruciais para promover essa mudança, que, além de impactar positivamente os negócios, contribui para transformações mais amplas e benéficas em termos socioeconômicos.
De acordo com o FMI, a promoção de políticas de igualdade de gênero é uma meta fundamental de desenvolvimento econômico mundial para se atingir crescimento e estabilidade. O incentivo ao protagonismo feminino é, portanto, uma questão urgente e essencial para a sociedade como um todo.
Cenário da desigualdade de gênero no trabalho é preocupante
Muitos levantamentos recentes têm revelado o (ainda) preocupante cenário da diversidade de gênero nas organizações. O Women in Business 2020, realizado pela Grant Thornton aponta, por exemplo, que apenas 29% dos cargos executivos são ocupados por mulheres no mundo.
O Relatório Mundial sobre a Desigualdade de Gênero de 2020 do World Economic Forum (FEM) avaliou a situação da disparidade na saúde, educação, trabalho e política. Todas as áreas registraram melhorias, menos a profissional — ou seja, a desigualdade de gênero no mercado de trabalho aumentou no último ano.
A nível global, o estudo estima que serão necessários 257 anos para que o abismo econômico entre homens e mulheres desapareça. O fato é atribuído ao baixo percentual de mulheres em cargos gerenciais, ao congelamento das suas remunerações e ao fraco protagonismo feminino na força de trabalho e renda.
Também em termos mundiais, apenas 55% das mulheres de 15 a 64 anos fazem parte do mercado de trabalho, contra 78% dos homens. Ainda de acordo com o relatório, o Brasil tem uma das maiores disparidades de gênero na América Latina: ocupa o 22º lugar entre 25 países.
Empresas com maior igualdade de gênero são mais lucrativas
Por outro lado, na contramão desse cenário negativo, várias pesquisas vêm mostrando que incentivar o protagonismo feminino e investir em equidade de gênero resulta em bons negócios. Empresas diversas e inclusivas ganham em inovação e lucratividade — que são, como sabemos, fatores determinantes, sobretudo em tempos de crise.
Um estudo sobre diversidade de gênero conduzido pelo FMI analisou dois milhões de empresas em 34 países europeus. A constatação foi que uma maior diversidade de gênero em cargos de liderança está associada a uma maior rentabilidade. Mais precisamente a uma elevação de 8 a 13 pontos-base de rendimento dos ativos das organizações.
Ao investir na equiparação de gênero, empresas tendem a colher mais dividendos. Foi o que mostrou também um levantamento do Mckinsey Global Institute: organizações mais diversas quanto ao gênero alcançam mais facilmente excelência organizacional e são 15% mais propensas a obter retornos financeiros acima da média nacional de seu setor.
O relatório Women in the Workplace mais recente conduzido pelo instituto sugere ainda que o protagonismo feminino tem muito a ensinar em termos de modelo de gestão. Segundo o levantamento, mulheres líderes identificam com maior facilidade pontos a melhorar na empresa e exibem, mais frequentemente do que os homens, traços de liderança altamente aplicáveis aos problemas globais futuros.
Quais os desafios do protagonismo feminino no mercado de trabalho?
Mas, diante de todas essas evidências de que a igualdade de gênero no mercado de trabalho traz inúmeros benefícios, por que é tão complexo promover as mudanças necessárias? Quais são os obstáculos que as mulheres ainda precisam superar para que o protagonismo feminino possa se tornar realidade?
Infelizmente, o “teto de vidro” é fortalecido por barreiras praticamente invisíveis — ou melhor, invisibilizadas. A ascensão profissional das mulheres não é dificultada por aspectos relacionados à qualificação ou à competência. O protagonismo feminino no mercado de trabalho segue sendo prejudicado por aspectos socioculturais ligados ao gênero.
Dificuldade de conciliação da dupla jornada
Em uma cultura patriarcal fortemente enraizada, a mulher ainda é vista como a responsável pelos cuidados da casa. Logo, ela acaba obrigada a ter jornada dupla, pois fica encarregada do trabalho domiciliar, enquanto o homem apenas “ajuda” em algumas tarefas e não divide as responsabilidades.
Em razão disso, elas enfrentam grandes dificuldades para conciliar a carreira e a vida pessoal. A maternidade, de forma geral, agrava ainda mais a situação, pois para muitas significa abdicar de conquistas profissionais. O afastamento durante a licença costuma ser visto de modo negativo no ambiente corporativo e representa, na maioria dos casos, perda de oportunidades de crescimento.
Atrelado a esse quadro, existem vieses implícitos relacionados ao gênero, como os que associam mulheres à baixa produtividade ou à alta sensibilidade. Por isso, elas acabam sendo subestimadas no cenário organizacional e precisam travar verdadeiras batalhas para serem incluídas e permanecer no mercado de trabalho — ainda maiores para alcançar altos cargos.
Interseccionalidade e diferença de oportunidades
Se olharmos sob a ótica da interseccionalidade, o quadro é ainda mais nebuloso e o protagonismo feminino mais distante. O mercado tende a ser ainda mais excludente com mulheres negras, trans e outros grupos. Assim, não é por acaso que elas representam maioria nos subempregos femininos.
Apesar de quase 57% da população brasileira se autodeclarar preta ou parda, poucas empresas no país olham para a questão da diversidade racial. As mulheres negras são as mais afetadas. De acordo com o Instituto Ethos, elas ocupam 10,3% dos cargos de nível funcional, 8,2% dos cargos de supervisão e apenas 1,6% dos cargos de gerência, além de serem 50% mais vulneráveis ao desemprego.
Já em relação às pessoas trans, segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), de forma geral, 90% dessa população tem a prostituição como fonte de renda e possibilidade de subsistência. O trabalho formal é, portanto, exceção entre esse grupo.
Como as organizações podem promover a igualdade de gênero?
Incentivando o protagonismo feminino, as organizações podem mudar a realidade da mulher no mercado de trabalho. O seu papel será determinante nesse sentido, principalmente no contexto pós-pandemia. A necessidade de ficar em casa evidenciou os desafios da dupla jornada e há riscos de perdermos anos de conquistas relacionados à igualdade de gênero.
Há vários caminhos para que as empresas ajudem a acelerar a transformação necessária para um ambiente corporativo mais igual. O ponto de partida é o reconhecimento do problema e da necessidade de ações concretas. O investimento em paridade de gênero ainda é muito baixo no Brasil, o que precisa ser repensado imediatamente.
O relatório do FEM sugere três estratégias principais para garantir a equidade de gênero nas forças de trabalho do futuro: capacitação, contratações com foco na diversidade e criação de culturas de trabalho inclusivas.
Uma das formas de incentivar o protagonismo feminino é por meio de programas de desenvolvimento e acompanhamento de carreira. As mulheres precisam ser incentivadas a irem mais longe, além, é claro, de ter acesso a oportunidades iguais de crescimento e salários equivalentes aos dos homens.
Ações concretas para incentivar o protagonismo feminino
As políticas de inclusão também podem estabelecer metas ou cotas para o equilíbrio de gênero em todos os cargos — sobretudo de liderança. Estas devem ser pensadas também através das lentes da interseccionalidade e contemplar mulheres negras e trans.
Além disso, é também fundamental rever abordagens nos processos de recrutamento e contratação. O protagonismo feminino também deve ser incentivado por meio do estímulo à candidatura de mulheres às vagas e de seleções que considerem única e exclusivamente a competência profissional.
Medidas práticas que ofereçam melhores condições de conciliação entre trabalho e vida pessoal também permitem que elas tenham mais chances de ascensão profissional. A flexibilização de horários e a possibilidade de trabalho remoto são alguns exemplos de ações nesse sentido.
Momento decisivo para estabelecer políticas inclusivas
É evidente que, em momentos de crise, as empresas necessitam reduzir gastos e rever investimentos. Contudo, é um equívoco pensar que ações voltadas à diversidade e inclusão se tornam menos importantes nesse contexto.
Muito pelo contrário: cenários críticos ampliam problemas estruturais da sociedade e, mais do que nunca, é hora das organizações reafirmarem o compromisso com a igualdade de gênero.
Além de ser, como vimos, um investimento importante para a sustentabilidade dos negócios a longo prazo, essa postura contribui com a economia mundial. É o que reporta o relatório do McKinsey Global Institute, que diz que US$ 12 trilhões poderão ser adicionados ao PIB Global até 2025 se a diferença de gênero for reduzida.
Isso sem falar que empresas que fizerem as escolhas certas agora ajudarão também a evitar que se percam décadas de avanço, o que seria muito negativo para a promoção do protagonismo feminino e para a sociedade como um todo.