O novo programa de trainee da Magalu foi divulgado nos últimos dias e se tornou um dos assuntos mais comentados do momento nas redes sociais. O motivo? A iniciativa da empresa é voltada exclusivamente para candidatos e candidatas negros. A polêmica reflete o fato de que ainda falta compreensão sobre a importância de ações afirmativas no Brasil.
Embora políticas desse tipo já existam, sejam fortemente incentivadas, respaldadas pela legislação e justificadas por séculos de escravidão e exclusão social, a questão dividiu opiniões. Ainda que a Magazine Luiza tenha sido fortemente elogiada por muitas pessoas e instituições, por outro lado, também foi criticada por alguns grupos.
Essas reações, em particular, demonstram a falta de informação da sociedade e a urgência de falarmos sobre Diversidade e Inclusão no mercado de trabalho. Sendo assim, trata-se de uma grande oportunidade para aprendermos e para que empreendedores e gestores entendam o seu papel nesse cenário.
Afinal, políticas desse tipo não apenas beneficiam financeiramente as corporações, conforme mostram muitos estudos, como também fomentam a economia nacional e são fundamentais na construção de uma sociedade mais justa.
Sobre o programa de trainee da Magalu
No dia 18 de setembro de 2020, a Magazine Luiza anunciou nas redes sociais a abertura das inscrições de um programa de atração e capacitação voltado para jovens talentos, desta vez, somente negras e negros. Como a própria empresa afirmou, a decisão é baseada em dois pilares muito importantes: a igualdade de oportunidades e a inclusão.
Uma vez que já dá atenção à causa há algum tempo, a Magalu tem, segundo seu CEO Frederico Trajano, 53% de pretos e pardos no seu quadro de funcionários — número bem mais alto do que a média nacional. No entanto, apenas 16% deles ocupam cargos de liderança. Isso no país em que mais de metade da população é negra (56%), segundo o IBGE.
A fim de mudar essa realidade e ampliar a diversidade racial entre os seus líderes, uma das medidas tomadas pela varejista em prol do aumento da representatividade desse grupo foi a adoção de ações afirmativas. O trainee da Magalu faz parte dessas políticas e visa recrutar negros universitários e recém-formados de todo o país.
O que são ações afirmativas?
A decisão de uma das maiores redes de lojas do mercado de varejo brasileiro traz à tona uma discussão antiga e sobre as ações afirmativas, mais especificamente as cotas raciais.
De modo resumido, ações afirmativas são medidas adotadas por órgãos públicos ou pela iniciativa privada com o propósito de reparar desigualdades sociais e raciais. Trata-se de estratégias reconhecidas e recomendadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) para a promoção da igualdade e o combate à discriminação.
Cotas raciais nas universidades públicas
Sendo assim, são adotadas em vários países do mundo todo e, aqui no Brasil, começaram a ser realmente “oficializadas” a partir da Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012. A norma reserva no mínimo 50% das vagas das instituições federais de ensino superior e técnico para estudantes de escolas públicas, pretos, pardos e indígenas.
Um dos principais escopos da lei das cotas foi a inclusão de jovens negros e a promoção da igualdade de oportunidades nas universidades públicas. Isso porque, até então, a sua participação nesse espaço era muito pequena, devido, evidentemente, a questões históricas — mais especificamente, três séculos de escravização e nenhuma política de inserção desse grupo nos diferentes âmbitos da sociedade.
Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram a eficácia dessas ações: pela primeira vez, em 2018, pretos e pardos — que representam quase 56% da população brasileira, como citamos anteriormente — são a maioria entre os estudantes de ensino superior da rede pública do país, chegando a 50,3%.
Qual é a importância das políticas afirmativas no mercado de trabalho?
Contudo, como também revelou o IBGE nesse mesmo levantamento, a desigualdade entre brancos e negros ainda permanece e reflete profundamente na representatividade negra no mercado de trabalho. No mesmo ano de 2018, pretos e pardos representavam 64,2% da população desocupada e 66,1% dos profissionais subutilizados no país.
Além disso, um estudo do Instituto Ethos realizado em 2016 com as 500 maiores empresas do país mostrou que a participação desse grupo é de apenas 34,4% em todo o quadro de pessoal dos negócios analisados. Nos cargos de gerência e diretoria executiva, esse percentual cai para 6,3% e 4,7%, respectivamente.
Diante desses dados — que são apenas um recorte do panorama —, é perfeitamente possível notar, portanto, a necessidade de ações afirmativas, como o programa de trainee da Magalu, não é mesmo? Principalmente por esses programas serem voltados, justamente, para a preparação das futuras lideranças de uma organização.
Não se trata, de forma alguma, de segregação. Na verdade, medidas como essa contribuem para a aceleração do processo de inclusão e para o aumento da equidade racial e social no nosso país. Logo, isso significa que o papel das empresas é extremamente importante para possibilitar os avanços necessários dessa questão.
Como implantar ações afirmativas na sua empresa?
Muitas organizações estão investindo cada vez mais em políticas afirmativas. Isso se deve também ao fato de que perceberam que atuar ativamente em prol da causa e participar dessa indispensável transformação social traz, ainda, uma série de benefícios para os negócios. Corporações com equipes e lideranças diversas costumam apresentar resultados financeiros melhores e ser mais bem-sucedidas do que as concorrentes, por exemplo.
Sendo assim, a tendência é que outras empresas adotem estratégias similares ao programa de trainee da Magalu — que, aliás, não está sozinha na iniciativa. Há alguns anos vemos programas de estágio e trainee com práticas voltadas para a inclusão racial, tanto no setor privado quanto no setor público.
Citando alguns exemplos, em 2019 o Google criou o Next Step, programa de estágio voltado para aumentar a representatividade de negros no escritório brasileiro. Um ano antes, em 2018, foi publicado um decreto que reserva para estudantes negros 30% das vagas em seleções de estágio na administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
Agora, em 2020, felizmente as ações se multiplicam. No mesmo dia do anúncio da Magazine Luiza, a Bayer divulgou o Programa Trainee Liderança Negra, oferecendo 19 vagas exclusivas para candidatos e candidatas negros. Também possuem processos com foco na inclusão racial Ambev e P&G.
Ações afirmativas são respaldadas pela Constituição
É importante destacar, ainda, que políticas afirmativas têm respaldo legal e são incentivadas pelos órgãos públicos. Em 2018, o Ministério Público do Trabalho publicou uma Nota Técnica que versa sobre a possibilidade de contratação específica de profissionais negros, assim como de anúncios específicos a fim de que seja concretizado o Princípio da Igualdade constante na Constituição.
Além disso, oferecer oportunidades a profissionais negros e subrepresentados ou minorizados também está de acordo com a Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010, ou seja, o Estatuto da Igualdade Racial.
No entanto, para implementar ações desse tipo, é recomendado contar com assessoria especializada. Isso ajuda não só a mitigar riscos, mas também a garantir que o processo não traga apenas a diversidade, mas garanta a inclusão de fato. Se não houver um departamento interno responsável, a contratação de consultoria pode contribuir para que as ações afirmativas estejam fundamentadas na lei e que tenham uma gestão eficaz.
Por fim, vale mencionar também que mudar processos seletivos e ampliar a representatividade é apenas uma das medidas necessárias para, de fato, incluir grupos minorizados e oferecer igualdade de oportunidades. É por isso que é essencial implementar programas de Diversidade e Inclusão (D&I) que envolvam todos os aspectos essenciais nesse sentido.