A luta pelos direitos das Pessoas com Deficiência na sociedade é recente, data de menos de 1 século. Até então, essas pessoas viviam marginalizadas ou segregadas, uma vez que é contemporâneo o entendimento de que a deficiência é parte da condição humana, no qual quase todos nós estaremos temporariamente ou permanentemente incapacitados em algum momento da vida.
Por isso, neste artigo você conhecerá importantes fatos históricos que resultaram em conquistas para essas pessoas no Brasil e no mundo.
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Quantas Pessoas com Deficiência existem no Brasil e no mundo?
Estimativas recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que aproximadamente 15% da população mundial vive com alguma forma de deficiência (física, auditiva, visual, intelectual, psicossocial ou múltipla). A fins comparativos, em 1970 a OMS apontava que 10% da população mundial vivia com alguma deficiência. O aumento na estimativa se deve ao maior número de diagnósticos e entendimentos sobre o que é ser uma Pessoa com Deficiência em nossa sociedade.
No caso do Brasil, segundo dados de 2019 do IBGE, 8,4% da população autodeclarava-se Pessoa com Deficiência, somando cerca de 17 milhões de pessoas. É importante sinalizar que os dados do Censo de 2010, que apontaram que 24% da população tinha uma ou mais deficiências, foram contestados por organizações e ativistas, de forma que, posteriormente, o número foi corrigido para os atuais 8,4%. A justificativa dos movimentos em prol dos direitos das Pessoas com Deficiência é de que o cálculo deve levar em conta apenas as pessoas que têm uma ou mais deficiência grave.
Como as Pessoas com Deficiência foram enxergadas e tratadas ao longo da história?
As evidências sobre o tratamento oferecido a Pessoas com Deficiências em civilizações antigas são escassas. De forma geral, as políticas eugenistas e capacitistas de Roma e Grécia antiga indicam que bebês que nasciam com má-formação eram jogados de penhascos, enquanto os homens que adquiriram alguma deficiência por conta das mutilações de guerras eram marginalizados. Platão (A República, Livro IV, 460 c) e Aristóteles (Política, Livro VII, Capítulo XIV, 1335 b), inclusive, tratam do tema em suas obras.
Esse mesmo fenômeno também era comum em outras comunidades ao redor do mundo. No caso do Brasil, esta é uma tradição que ainda persiste em pelo menos 13 etnias indígenas, embora já existam projetos de lei que visem combater essa prática.
Os indícios da civilização egípcia, por sua vez, indicam uma maior inclusão dessas pessoas na sociedade. Passagens históricas, por exemplo, apontam a atuação de deficientes visuais em atividades artesanais. Estudos indicam que pelo fato dos casamentos acontecerem entre familiares, a fim de manter a pureza sanguínea da linhagem, muitas crianças nasciam com uma ou mais deficiências congênitas, como o caso do faraó Tutancâmon, cuja análise de sua múmia mostrou que ele possuía diversas deficiências físicas e intelectuais.
Com o advento do pensamento cristão na Idade Média, as Pessoas com Deficiência passaram a ser segregadas em hospitais, ‘asilos’ ou conventos. O Rei Luís IX, da França, que reinou entre 1214 e 1270, criou o primeiro hospital para pessoas com deficiência visual da história, o Quinze-Vingts.
Marcos importantes: criação da Linguagem de Sinais, do Braille e de demais ferramentas de inclusão para Pessoas com Deficiências
Como surgiu a linguagem de sinais?
Na idade Moderna, com o advento do humanismo, começaram a surgir as primeiras ferramentas de inclusão conhecidas para Pessoas com Deficiência. No século 16, o médico e matemático Gerolamo Cardomo (1501 a 1576) criou um código para ensinar pessoas surdas a ler e escrever, por meio de sinais. Ainda no mesmo século, o monge beneditino Pedro Ponce de Leon (1520-1584) criou outro método de ensino para pessoas surdas, baseado em um código de sinais.
Embora os primeiros passos tenham acontecido no século 16, foi somente no século 18 que surgiu a Língua Francesa de Sinais – a primeira língua moderna de comunicação com pessoas surdas, que inspirou, no século 19, a criação da Língua Brasileira de Sinais, também conhecida como Libras. Ela foi criada com a chegada ao Brasil, em 1855, de Ernest Huet, homem surdo, a convite do imperador Dom Pedro II.
Como surgiu o Braille?
A ferramenta de leitura utilizada por pessoas com deficiência visual também surgiu no século 19. Napoleão Bonaparte, general francês, solicitou ao oficial do exército, Charles Barbier (1764-1841), um método de comunicação para ser utilizado à noite nas batalhas – cabe lembrar que na época a forma de iluminação era a base de lampiões e lamparinas, nem sempre disponíveis, e que chamava atenção de exércitos inimigos.
Barbier criou um sistema de leitura tátil, porém de alta complexidade para uso em batalhas. O projeto foi apresentado aos alunos do Instituto Nacional dos Jovens Cegos de Paris. Por lá, Louis Braille (1809-1852), que na época contava com 14 anos, apresentou sugestões de melhorias ao método, que acabaram sendo negadas pelo criador. Diante disso, Braille reformulou todo o método e deu origem à escrita braille.
A luta pelos direitos das Pessoas com Deficiência no século XX e XXI
Apesar dos avanços citados acima, a noção ampla de que Pessoas com Deficiência mereciam ser incluídas na sociedade, e não segregadas, é recente. Essa percepção foi acelerada após a Segunda Guerra Mundial, que teve como consequências uma expressiva quantidade de sobreviventes com algum tipo de deficiência, principalmente física.
Como a Europa precisava retomar as atividades econômicas e carecia de mão de obra, a sociedade começou a desenhar ações de inclusão para este público. Embora a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) não cite Pessoas com Deficiência, ela abriu caminho para as discussões sobre o tema.
Alguns anos mais tarde, em 1960, em Roma, na Itália, aconteceram os primeiros Jogos Paralímpicos da história, com a participação de 400 atletas e de 23 países. O Brasil, que hoje é uma potência paralímpica, entrou para a competição em 1972 e conquistou sua primeira medalha em 1976 – hoje em dia temos um total de 373 medalhas nos Jogos Paralímpicos.
Declarações e documentos pelos direitos das Pessoas com Deficiência
O primeiro grande marco na luta PcD é a Declaração dos Direitos de Pessoas com Deficiência Mental, promulgada pela ONU em 1971. Ele reconheceu os direitos de pessoas com deficiência intelectual, indicando principalmente o direito aos cuidados médicos humanos e dignos – cabe lembrar que por séculos essas pessoas foram segregadas em hospitais psiquiátricos e tratadas com métodos que provocavam sofrimentos nos pacientes.
Mais tarde, em 1975, a Assembleia Geral das Nações Unidas deu um passo a mais e proclamou a Declaração dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência. O termo ‘portadora de deficiência’ viria a ser substituído nos anos 2000 pelo termo ‘Pessoas com Deficiências’. Anos depois, em 1981, a ONU declarou aquele ano como o Ano Internacional das Pessoas com Deficiência.
Além disso, a partir dos anos 1990 países como Estados Unidos e Reino Unido começaram a elaborar legislações específicas resguardando seus direitos e criando políticas públicas em prol da inclusão. O Brasil, em 1991, aprovou a Lei de Cotas (Lei Nº 8.213), legislação pioneira que visava a contratação de Pessoas com Deficiência pelas empresas.
Confira a entrevista com Ana Marques, consultora da Tree, sobre os 30 anos da Lei de Cotas, celebrado em 2021.
Dois outros momentos foram essenciais na luta por direitos das Pessoas com Deficiência ao longo da história. Em 1994, a ONU publicou a Declaração de Salamanca, a fim de estabelecer a inclusão educacional para crianças com deficiência. E, em 2001, a OMS alterou a sua definição de deficiência, incorporando os preceitos do modelo social, com a publicação da Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF).
O resultado de todas essas discussões aconteceu em 2006, quando a ONU elaborou o principal documento internacional da história dos direitos das pessoas com deficiência, a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência.
Conquistas na legislação brasileira
Para além da Lei de Cotas, já citada anteriormente, e da assinatura de tratados internacionais, o Brasil também avançou em suas legislações internas sobre o tema.
Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva
Em 2008 foi instituída a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva, que começou a incluir estudantes com deficiência em escolas regulares. A política obteve um ótimo alcance. Segundo o Censo Escolar, realizado pelo Inep, o número de matrículas de estudantes com deficiência nas escolas regulares passou de 46,8%, em 2007, para 87%, em 2019.
Embora este seja um direito previsto por lei, existe ainda a barreira da negativa de matrícula. Segundo Letícia Rodrigues, sócia da Tree, isso acontece “quando a escola diz não estar preparada para acolher crianças com deficiência, ou nas ocasiões em que a matrícula é recusada sem cerimônia”. Ela ainda complementa: “Infelizmente, vivemos um tempo em que o óbvio precisa ser dito e repetido. Então que se diga: o direito de aprender e de trabalhar são inegociáveis, e assegurá-los deve ser um dever ético de toda a sociedade”.
Saiba mais:
Diversidade e inclusão nas escolas: como a questão deve ser abordada pelas instituições de ensino
Estatuto da Pessoa com Deficiência
No ano 2000 aprovamos o Estatuto da Pessoa com Deficiência (PL 3638/2000), legislando sobre os direitos básicos desse grupo. Anos mais tarde, em 2016, foram aprovadas outras leis que visavam garantir a proteção e dignidade dessas pessoas, sendo, assim, acrescentadas ao Estatuto e vinculadas à Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146).
Entre outras coisas, a lei garante às Pessoas com Deficiência o atendimento prioritário em unidades de saúde, assento prioritário em transportes públicos e recebimento de restituição do imposto de renda e serviços médicos. Além disso, declara que todas as Pessoas com Deficiência podem receber um auxílio-inclusão do governo.
A Lei ainda regulamenta a discriminação contra Pessoas com Deficiências, com reclusão de um a três anos, além de multa.
No que se relaciona ao papel das empresas, o art. 34 afirma: “as pessoas jurídicas de direito público, privado ou de qualquer natureza são obrigadas a garantir ambientes de trabalho acessíveis e inclusivos”. Com isso, exige que esses espaços tenham banheiros acessíveis, elevadores adaptados, reservas de vagas em estacionamentos, entre outros benefícios.
O legado de Romeu Sassaki
Romeu Sassaki, considerado o “pai da inclusão” no Brasil, foi um dos responsáveis por dar tração a esta agenda a partir dos anos 1980.
Entre suas realizações, ele participou da elaboração da Lei de Cotas; atuou como consultor de grandes empresas e órgãos governamentais na área de acessibilidade e inclusão de pessoas com deficiência; apoiou no desenho de políticas públicas e programas de inclusão; e participou da Fundação da Associação Brasileira dos Deficientes Físicos (ABDF), uma das mais importantes organizações de defesa dos direitos das Pessoas com Deficiência no Brasil. Além disso, foi um grande palestrante e escritor, tendo publicado vários livros sobre inclusão e acessibilidade. Ele abriu caminhos para discussões sobre inclusão de Pessoas com Deficiência na sociedade, sensibilizando empresas e órgãos públicos sobre a importância da pauta.
Ainda há um longo caminho a ser percorrido quando falamos da inclusão de Pessoas com Deficiência
Como visto acima, essa agenda ganhou força nas últimas décadas com a promulgação de legislações e estímulos a programas de inclusão. Entretanto, há muito a se avançar.
As organizações precisam transformar suas culturas para que se tornem inclusivas, alocando Pessoas com Deficiência a partir do seu potencial, e não para o cumprimento de cotas. A acessibilidade precisa ser atitudinal, não apenas dos espaços físicos e materiais. E a sociedade, de forma geral, precisa romper com vieses inconscientes ligados a pessoas cegas, surdas, deficientes físicas e de outros marcadores dentro da comunidade de Pessoas com Deficiência.
Por isso, o primeiro passo é você educar a si mesmo sobre o tema. Mergulhe em nossas trilhas de conteúdo sobre o tema e compartilhe os aprendizados com sua rede de contatos.