“Mulheres negras nunca tiveram o direito à fragilidade, mulheres que nunca estiveram sob o “jugo protetor” do provedor masculino. […] A característica, por um longo período, foi de famílias extensas, muitas lideradas por mulheres, o que configurou, em certa medida, aquilo que costumo chamar de um matriarcado da miséria, que é a experiência concreta das mulheres negras nesta sociedade”.
- Sueli Carneiro
A fala da filósofa Sueli Carneiro nos mostra que os desafios das mulheres negras foram e ainda são grandes. Muitas trajetórias e histórias foram apagadas, a história que a história não conta.
Por isso, neste artigo vamos compartilhar a história de nove mulheres negras que transformaram o país. Conheça, celebre e dissemine suas histórias.
Tereza de Bengela ou Rainha Tereza, foi uma líder quilombola que viveu na região de Cuiabá (MT) durante o século 18. Chefiou entre 1750 a 1770 o Quilombo do Quariterê, abrigando mais de 100 pessoas negras e indígenas. Uma liderança por muito tempo esquecida, que mudou os rumos e centenas de pessoas da região centro-oeste, sob sua liderança, a comunidade negra e indígena resistiu à escravidão por duas décadas.
A Lei 12.987 estipulou o dia 25 de julho, o Dia da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha, como o Dia de Tereza Bengela. O episódio marca o resgate de lideranças até então apagadas da história que nos foi contada.
Hilária Batista de Almeida ou Tia Ciata, nasceu em 1854 em Santo Amaro (BA). Iniciada no candomblé, foi perseguida por sua religião e teve que mudar para o Rio de Janeiro aos 22 anos. Enquanto atuava como quituteira para sustentar sua família, recebia em sua casa músicos conhecidos e anônimos para rodas de samba. Entre eles, Pixinguinha e Donga. Em um desses encontros, em 1916, foi composto o primeiro samba gravado em disco no país, “Pelo Telefone”, de Donga e Mauro de Almeida. No mesmo período, foi chamada à sede do governo para atender o então presidente Venceslau Brás, que estava uma ferida na perna. Como agradecimento, ele promoveu o marido de Tia Ciata a chefe de polícia, e as rodas de samba, até então marginalizadas, foram autorizadas. Tia Ciata foi sambista e mãe de santo brasileira, considerada por muitos como uma das figuras mais influentes para o surgimento do samba carioca.
Carolina Maria de Jesus, nasceu em 1914 em Sacramento (MG), foi uma escritora, compositora e poetisa brasileira. Em 1937, mudou-se para São Paulo (SP), onde se instalou na favela do Canindé e passou a trabalhar como catadora de papel. E foi neste trabalho que ela encontrou uma caderneta no qual iria começar a escrever seu cotidiano. Em 1960, publicou seu primeiro livro, a obra “quarto de despejo”, que vendeu mais de 100 mil exemplares naquele ano. Publicou mais quatro obras posteriormente, e teve seus livros vendidos em mais de 40 países.
Enedina Marques nasceu em 1913, no estado do Paraná. Era filha de um casal que chegou no estado após a abolição da escravatura. O empregador da casa onde sua mãe atuava como empregada doméstica matriculou Enedina na mesma escola que suas filhas, de forma que ela seguiu os estudos e formou-se como professora em 1931, quando passou a atuar em escolas da região. Aos 27 anos, começou a estudar engenharia e, para custear os custos da faculdade, trabalhou como doméstica. Após 5 anos, formou-se no curso de engenharia civil e se tornou a primeira engenheira negra do Brasil. Nos anos seguintes atuou na Secretaria de Obras Públicas do estado e no Departamento Estadual de Águas e Energia Elétrica.
Laudelina de Campos Melo nasceu em 1904 em Poços de Caldas (MG), filha de um casal liberto pela Lei do Ventre Livre. Teve que trabalhar desde os 7 anos como doméstica para auxiliar na renda familiar. Aos 16 anos foi presidente do Clube 13 de Maio, grupo que promovia atividades para a população negra da cidade. Aos 20 anos, mudou para Santos e ajudou a fundar a Frente Negra Brasileira. Já em 1936, fundou a Associação das Empregadas Domésticas do Brasil. Nos anos 1950, se envolveu com projetos culturais promovendo bailes, peças de teatro e outras atividades culturais. Na década seguinte, por outro lado, atuou na estruturação de associações locais de empregadas domésticas. Seu legado é enorme, pois influenciou diretamente a luta pelos direitos das empregadas domésticas, como o de terem carteira assinada.
Antonieta de Barros, nascida em 1901 em Santa Catarina, era filha de um casal de escravizados recém-libertos e morava com a mãe em sua pensão, onde foi alfabetizada. Tornou-se professora e começou seu trabalho social criando um curso dedicado à alfabetização de crianças e adultos. Em 1934, aos 33 anos, foi eleita deputada estadual com 30 mil votos, sendo reeleita novamente em 1947. Foi pioneira ao defender bolsas de estudos em cursos superiores para pessoas mais pobres – o que hoje em dia é o ProUni. Além da atuação política, dirigiu jornais e revistas locais, além de ter publicado um livro de crônicas sob pseudônimo de Maria da Ilha.
Maria Firmina dos Reis nasceu em São Luís do Maranhão, em 1825. Era filha de uma mulher escravizada que havia recebido sua alforria. Em 1859, publicou o livro “Úrsula”, o primeiro romance lançado por uma escritora negra no país. Foi professora e fundou, em 1880, a primeira escola mista e gratuita do Maranhão, sendo também uma das primeiras do país. O fato gerou tamanha repercussão que ela foi obrigada a suspender as atividades por dois anos e meio. Mobilizou-se pela causa abolicionista e deixou sua voz ser ouvida por meio da literatura em contos, folhetins e poesias.
Baiana, Maria Felipa de Oliveira viveu no século XIX, foi marisqueira e pescadora, e teve um papel fundamental na luta pela Independência da Bahia. Em 1823, liderou um grupo composto por mais de 200 pessoas negras e indígenas de etnias tupinambás e tapuias, nas batalhas contra as tropas portuguesas que atacavam a região de Itaparica. Em um trabalho de encontrar os verdadeiros heróis da história do país, em 2018 ela foi declarada Heroína da Pátria Brasileira pela Lei Federal nº 13.697.
Atualmente, a paulistana Sueli Carneiro é um importante nome para o pensamento contemporâneo. Escritora, filósofa e ativista, é fundadora e diretora do Geledés, o Instituto da Mulher Negra, e conta com quatro livros publicados. Seu livro “O Dispositivo da Racialidade”, que analisa as dinâmicas raciais no Brasil a partir de autores como Charles Mills e Michel Foucault, chegou às livrarias recentemente.